Mesmo sem o Tio Chen por perto pra ajudar, foi bem fácil encontrar a Selva Krasarang. Já abrir caminho pelo pântano sombrio que acompanha a costa foi um desafio e tanto. A cobertura espessa da floresta impedia a passagem do sol; era quase impossível se orientar. Quando não estava tropeçando nos emaranhados de raízes pelo chão, estava me enrolando nos cipós enormes que pendiam dos galhos. E começaram a aparecer bichos. Sauroks, vespas gigantes e um monte de outras criaturas rastejavam por todos os lados.
Era tão emocionante quanto eu imaginava!
Mas comecei a ficar chateada por não encontrar logo o lugar em que Liu Lang zarpou de cima de Shen-zin Su. Depois de dias procurando e nada de encontrar, cruzei com um pescador chamado Ryshan, o primeiro pandaren que via fazia um tempão. Ele tinha acabado de entregar um carregamento de peixe em Vigia de Zhu, um posto avançado na parte nordeste de Krasarang, construído pra tentar impedir que coisas indesejáveis como os sauroks atacassem viajantes a caminho do litoral.
Amigos devem ser uma coisa rara em Krasarang, pois Ryshan me tratou como se a gente fosse da mesma família, e eu nunca o tinha visto mais gordo! Quando expliquei o que estava fazendo na selva, ele me disse que o lugar de onde Liu Lang partiu de Pandária era bem pertinho da aldeia dele, o Cais dos Pescadores. Ele foi bacana e me chamou para ir até o acampamento onde estava, para reabastecer meus suprimentos antes de seguir viagem até o meu destino. Finalmente a sorte começava a sorrir pra mim.
No caminho até a aldeia, Ryshan me contou tudo sobre a história de Krasarang. Poucos pandarens passaram por essa selva. “Só pescadores e loucos, se é que há diferença”, disse, inflado de orgulho. Passamos por um monte de ruínas antigas, que ele disse terem sido dos mogus. Tempos atrás, antes de o império deles cair, alguns viveram em Krasarang. Mais recentemente, alguns mogus até voltaram para reivindicar os territórios, mas heróis que nem aqueles que ajudaram o Tio Chen e a mim na cervejaria da família impediram os bichos.
Estava quase anoitecendo quando chegamos ao Cais. A pequena aldeia de choupanas ficava para lá da praia de Krasarang, o que significava que a gente tinha que pegar um barco para chegar lá. Grande coisa, certo? Bem, depois que hasteamos as velas, o pescador começou a gritar “assassino” e ficou de pé num pulo, golpeando o ar com os remos. O que poderia ter abalado um pescador corajoso feito aquele? Crocoliscos? Sauroks? Estava começando a achar que minha vida estava em risco até que vi o que tinha deixado ele daquele jeito: um bandinim.
Esses carinhas peludos eram uns belos de uns ladrõezinhos, e adoravam peixe. Em outras palavras, eram os inimigos número um dos pescadores. E aquele no barco era barra pesada. Não recuou um centímetro, nem quando Ryshan começou a bater com o remo. Na verdade, o danado ficou furioso e começou a fazer um barulho esquisito e a atacar com as garras.
Geralmente eles ficam no Vale dos Quatro Ventos, mas esse bandinim tinha chegado até Karasarang. Para acalmar o Ryshan, prometi que ia dar um jeito na bola de pelo e manter as patas dele longe de qualquer peixe. Era o mínimo que eu podia fazer. Afinal, esse bandinim era um explorador como eu. Por algum motivo que eu não sei explicar, ele me lembrava meu irmão mais velho, Shisai. Talvez fosse a cara gorda e as orelhas peludas, ou o jeito com que ele catava restos de comida no meio do pelo e enfiava na boca, sem o menor medo de parecer nojento. Bem, qualquer que tenha sido a razão, resolvi dar a ele o nome do meu irmão. Por mais inacreditável que fosse, eu estava com saudade do Shisai. Bem… um pouco.
No Cais dos Pescadores, o Ryshan e os amigos dele assaram alguns peixes fresquinhos, pegos no dia, e me contaram as melhores histórias de pescador que conheciam. Quando eu disse que vinha da Ilha Errante, eles se sentiram desafiados a contar histórias melhores e começaram a inventar lorotas sobre um filhote de kraken que tinham pescado anos antes.
“Só pescadores e loucos”. É… Parecia que era verdade..
Uma das coisas mais interessantes de que os pescadores falaram foi o Templo da Garça Vermelha. A enorme construção, localizada no meio de Krasarang, foi construída em honra ao celestial Chi-Ji, conhecido como a Garça Vermelha. Ryshan mencionou que essa poderosa e benevolente criatura também era chamada de espírito da esperança. Não muito tempo antes, um perigo escapara das profundezas do templo: os sha. Esses terríveis males foram derrotados, mas não antes de lançarem uma sombra de desespero sobre a selva.
Eu tinha ouvido falar dos sha durante o ataque mantídeo ao Arado de Pedra lá no Vale dos Quatro Ventos. Por que essas coisas bizarras começaram a aparecer de repente em todos os lugares? Será que isso estava acontecendo por toda Pandária? Só de pensar nos sha meus pelos ficavam arrepiados. Foi difícil dormir naquela noite.
Na manhã seguinte, quando me aprontava para continuar a busca pelo local onde a Ilha Errante nascera, um imenso balão de ar quente pousou no Cais dos Pescadores. O piloto, um pandaren de fala mansa chamado Shin Nuvem Sussurrante, tinha vindo do Norte, do Monte Kun-Lai, para buscar um carregamento de peixe. Aparentemente, ele ia fazer uma entrega num lugar sagrado no topo das montanhas, o Templo do Tigre Branco. O peixe de Krasarang devia ser de longe o melhor de Pandária; por que outro motivo ele teria viajado tanto?
Quanto mais o Shin falava sobre o Kun-Lai, mais eu queria ver de perto. O piloto disse que eu poderia ir junto se ajudasse a carregar o balão com os peixes. Como dizer não? Claro, eu ainda não tinha encontrado o lugar específico onde Liu Lang e a Grande Tartaruga começaram a jornada pelo mar, mas pelo menos tinha uma ideia de onde seria. O Tio Chen e eu poderíamos voltar lá depois, mas quando eu teria outra chance de ir até o Kun-Lai? Com meu tio enfurnado na cervejaria, poderia levar semanas, talvez meses, até podermos visitar os pontos mais distantes de Pandária. Talvez a gente nunca fosse. Eu imaginava o Tio Chen na cervejaria, entornando barris e barris de cerveja, ficando mais redondo que o balão do Shin, ficando gordo demais para passar pelas portas!
Só havia uma coisa a se fazer: arregacei as mangas, respirei fundo e comecei a carregar a cesta imensa presa ao balão com barris de peixe. No fim, devia estar cheirando como uma verdadeira pescadora, mas esse era um preço pequeno a se pagar por uma viagem de graça para um lugar tão misterioso e emocionante como o Kun-Lai.
Depois de me despedir dos pescadores, enfiei o Shisai na mochila e saltei para dentro do balão. Logo em seguida, já estávamos muito acima da Selva Krasarang, e subíamos cada vez mais! A vento levou a gente para o norte, na direção da Floresta de Jade, e depois para as majestosas montanhas do Kun-Lai. Por frestas nas nuvens fofinhas, comecei a ver meu destino.
Quando disse a Shin que o Kun-Lai era lindo de longe, ele se entristeceu. “É engraçado como tudo parece perfeito visto do céu”, disse. “O Kun-Lai é um lugar maravilhoso, como você disse, mas hoje em dia as coisas não vão tão bem lá. Nuvens negras estão se acumulando sobre a região, pequenina”.
Shin contou que começara uma guerra em algumas partes do Kun-Lai. Ele disse para não me preocupar, pois estava me levando para um lugar seguro, mas, ainda assim, me perguntei se não tinha sido uma burrada ir com ele.
Então me lembrei que o Tio Chen e todos os exploradores que se prezam precisavam viajar para lugares tranquilos e também para terras perigosas. Ser um andarilho é isso aí. Respirei fundo e olhei adiante, pronta para encarar qualquer desafio que me esperasse nos picos gelados do Monte Kun-Lai!