O Vale das Flores Eternas é como um mundinho isolado no coração de Pandária. Uma brisa calma e morna soprava por colinas cobertas de grama dourada. Folhas e flores caíam das árvores, deixando um cheiro doce no ar. Em vez de ficarem secas e quebradiças como as folhas e pétalas normais, as do Vale permaneciam frescas e macias por dias.
Muito do que eu vi parecia bater com as lendas que ouvira sobre o lugar. Os filhotes por toda Pandária cresceram ouvindo mitos sobre o vale. Uma das histórias mais conhecidas diz que há fontes mágicas na região. Alguns até diziam que as águas eram capazes de operar milagres! Definitivamente havia algo de especial no vale, e eu não era a única que queria ver se as histórias sobre o local eram verdadeiras.
Dúzias de refugiados pandarens afluíram para o vale dourado. Quase todos tinham sido expulsos do Monte Kun-Lai, pois seus lares haviam sido destruídos pelos yaungóis. Os coitados levavam consigo o que podiam carregar — em muitos casos, só a roupa do corpo. Os mais afortunados levavam um iaque ou dois, algumas relíquias de família e comida suficiente para durar no máximo alguns dias.
Eu me juntei a dois refugiados, um pandaren chamado Buwei e seu filho, Pequeno Fu, que viajavam sozinhos. Ambos se mostraram reticentes, até que eu joguei um pouco do velho charme dos Malte do Trovão e pude saber mais sobre eles. Buwei e seu filho tinham perdido tudo em um ataque yaungol a Kun-Lai… inclusive o resto da família. Naquele momento, pai e filho se dirigiam para a Vila da Bruma Baixa, um local de refúgio no vale para muitos pandarens de Kun-Lai.
Como todos os refugiados, Buwei e Pequeno Fu achavam que encontrariam paz no vale. E quem poderia culpá-los? O vale estivera fechado para o restante de Pandária por milhares de anos (isso mudou alguns dias atrás). Por todo esse tempo, os grandes celestiais tinham vigiado de perto o local. Eles escolheram vigias especialmente escolhidos — o Lótus Dourado — para ajudá-los a ficar de olho no vale. Os pandarens que encontrei disseram que era uma grande honra ser escolhido como membro dessa ordem sagrada, mas tudo aquilo me pareceu um tanto estranho. Eu não conseguia imaginar aquilo: uma criatura divina aparecendo um dia e me pedindo para abandonar amigos e família para passar o resto da vida em um vale secreto.
Deixando isso de lado, eu entendi por que os refugiados se dirigiam ao vale. Com os celestiais e o Lótus Dourado por perto, era provavelmente o lugar mais seguro de Pandária.
Pelo menos, costumava ser.
Buwei me disse que o vale já fora a sede do império mogu. Não muito antes, os grandes babacões conseguiram voltar ao vale e estavam tentando reconquistar o terreno perdido. Era difícil acreditar que os mogus já tinham dominado um lugar tão bonito quanto esse vale, mas havia estátuas deles por toda parte!
Apesar das notícias sobre os mogus, Buwei e Pequeno Fu se alegravam à medida que os dias passavam. Eu queria que fosse por minha causa, mas essa honra pertencia ao meu bandinim, Shisai. Minha bolinha de pelo tinha superado quase todos os problemas de raiva e ansiedade quando deixamos Kun-Lai. Mas, de qualquer forma, eu ensinei os dois refugiados a acalmá-lo se ele ficasse rabugento, usando guloseimas e brinquedinhos de mastigar. Buwei e o filho brincaram bastante com o bandinim. Tê-lo por perto deve ter distraído os dois e ajudado a esquecer um pouco tudo o que perderam, especialmente no caso do Pequeno Fu. Ele só sorria quando tomava Shisai nos braços. Logo o pandarenzinho se tornou um mestre na arte de cuidar do bicho.
Quando finalmente chegamos à Vila da Bruma Baixa, me surpreendi com o tamanho e a vibração do lugar. As ruas de pedra da cidade pareciam antigas e gastas, mas muitos dos prédios pareciam novos. Buwei disse que Bruma Baixa já fora menor, com apenas algumas estruturas aqui e ali ocupadas pelo Lótus Dourado, mas a primeira onda de refugiados de Kun-Lai rapidamente fizera o lugar crescer.
Os refugiados logo se sentiram em casa. Os sons de riso, conversas e cantigas preencheram cada canto da aldeia. As carroças que tinham trazido foram desmanteladas e remontadas para criar mesas e bancas improvisadas. Pedaços avulsos foram usados com lenha para aquecer caldeirões de peixe verde com curry e para tostar espetinhos de galinha com amendoim. De vez em quando, eu via duendes, como os da Ilha Errante, espiando de cima dos telhados. Os danadinhos ficavam observando os refugiados e então sumiam num piscar de olhos.
Visitar Bruma Baixa foi ótimo, mas eu ainda queria explorar o resto do vale. Eu parti cedo no dia seguinte. Buwei estava dormindo, e Pequeno Fu também. O filhote sorria, abraçando forte Shisai. Queria levar o bandinim comigo, mas depois de ver o quão feliz o filho de Buwei estava, não consegui. Depois de tudo pelo que Pequeno Fu passara, ele merecia Shisai. Além disso, eu estava ficando cansada de encontrar pelos nas roupas, na comida e no chá o tempo todo. Pelo menos… foi isso que eu disse a mim mesma para me impedir de chorar e babar feito um bebê enquanto escrevia uma notinha de adeus para o pai e o filho. Então, eu saí da aldeia.
Logo após o nascer do sol, alguém (ou alguma coisa) começou a me seguir pelo vale. Eu pressenti uma presença, mas o que realmente me alertou foi o fedor que pairava no ar feito incenso. Ele me fez pensar em Ryshan e nos outros pescadores da Selva Krasarang: pedaços de peixe e pelo suado. Eu rastreei o cheiro e encontrei meu espreitador escondido atrás de uma grande rocha. No começo, achei que fosse minha avó Mei, mas, depois de ver melhor, notei que a criatura não era tão peluda quanto a vovó. Mas nem de longe.
Era um grômulo. Eu já vira essas estranhas criaturas em Kun-Lai, mas jamais encontrara uma de perto. São excelentes alpinistas e rastreadores, e têm um olfato apuradíssimo. Viajar pelas montanhas hostis os transformou em uma espécie bem supersticiosa, e costumam carregar amuletos (como moedas ou pés de coelho) chamados “sorte-sim”. Grômulos até adotam o nome do seu sorte-sim favorito, o que, no caso do meu novo amigo, explicava o futum…
— Mensageiro Cauda-de-peixe a seu dispor! — disse o grômulo. — Chen Malte do Trovão mandou que eu encontrasse você, mas foi bastante difícil. Eu segui você por muitos dias para me certificar de que você era você. Você não fede o suficiente. Precisa de um sorte-sim melhor.
— Ou você podia só ter me perguntando quem eu era — respondi.
— Um grômulo confia no nariz antes de qualquer coisa.
Ele me entregou um pergaminho. Entre as manchas de cerveja e pedacinhos de tofu picante de que estava salpicado, eu li que ele finalmente mexera o traseiro gordo e saíra da cervejaria. Não só isso, mas ele também tinha encontrado mais Maltes do Trovão no Parque Cervejeiro do Poente, um acampamento em uma região que ele chamou misteriosamente de Ermo do Medo. Ele me disse para encontrá-lo em uma das torres de guarda ao longo do Espinhaço da Serpente, a grande muralha que atravessa o oeste de Pandária.
E, Li Li, escreveu tio Chen no final da carta, o que quer que aconteça, não passe pra o outro lado da muralha! Lá é muito perigoso. Apenas me espere quando chegar na torre de guarda.
O fato de tio Chen não mencionar que eu tinha saído sem sua permissão me deixou nervosa. Algo importante estava acontecendo no Ermo do Medo, para ele deixar aquilo passar. Embora achasse uma pena deixar o vale, eu sabia que o tio Chen precisava de mim. E, bem, eu realmente queria andar pela muralha.
— Venha, venha! — O mensageiro Cauda-de-peixe apontou para oeste, onde o Espinhaço da Serpente atravessava os limites do vale. — Eu levo você até a muralha, mas precisamos nos apressar. Os ventos do leste estão soprando. Isso significa boa sorte e viagens tranquilas!
Mesmo a distância, o Espinhaço da Serpente parecia enorme. Eu já vira a barreira no Vale dos Quatro Ventos. Daquele momento em diante, eu vinha esperando uma chance de olhar Pandária lá do alto.
Bom, eu finalmente teria essa chance.